Acerca do «Mundo flutuante»

Acerca do «Mundo flutuante» (Ukiyo, 浮世)

O título deste blogue é retirado da designação atribuída a uma época da história cultural do Japão, iniciada no período Edo (1600–1867), que nasce do desenvolvimento da cultura urbana desta época, sobretudo nas cidades Edo (Tóquio), Osaka e Kyoto, na sequência dos novos tempos de paz e de prosperidade.
 
A urbanização crescente deste período revela já em 1670 uma nova forma de vida: chōnindō, a vida das pessoas da cidade. Culturalmente, o ideal das qualidades bushidō, código de ética samurai (diligência, honestidade, honra, lealdade e frugalidade), mescla-se de influências xintoístas, neoconfucionistas e budistas. O estudo das ciências é estimulado bem como a qualidade dos trabalhos artísticos e artesanais, e a crença no talento e no esforço individual, enquanto forma de mudar o destino dos homens, começa a tomar força.

É então que a nova e enérgica classe de mercadores e de artesãos reclama uma literatura própria, Ukyio, compilada sob a forma de álbuns e de livros ilustrados, ehon 絵本, baratos e acessíveis. Contos e romances irónicos e irreverentes, cujos escritores de referência são Ejima Kiseki, Ueda Akinari,Ihara Saikaku, Murasaki Shikibu, aliam então antigas lendas chinesas e o universo do fantástico ao mundo da alegria, da sensualidade e do bem-estar urbanos. Ao retratar personagens e cenas de lazer, lutadores de sumô, gueixas, actores de teatro e paisagens populares, os escritores e ilustradores Ukyio pretendiam eternizar os momentos divertidos e fugazes de um universo idealizado que unia a moda, o entretenimento e a demanda de qualidades estéticas na vida quotidiana.

Com  procura crescente e a grande divulgação que entretanto esta nova literatura conhece, as ilustrações (Ukiyo-e), de início monocromáticas mas recorrendo depois a toda a paleta de cores, tornam-na extremamente popular. Na segunda metade do século, as Ukyiio-e autonomizam-se, assumindo a forma de postais, calendários e cartazes, nomeadamente para o teatro kabuki, que também nasce neste período e se tornará o mais conhecido dos estilos tradicionais de dramaturgia japonesa. De entre as obras dos artistas maiores desta arte, como Utamaro, Hiroshige, Sharakue Hokusai, as mais conhecidas são talvez as ilustrações de paisagens e da natureza de Katsushika Hokusai, em particular as suas Trinta e seis ilustrações do monte Fuji (富嶽三十六景).

Com a restauração Meiji em 1868, o Japão volta a abrir-se ao Ocidente e os ukiyo-e tornam–se uma fonte de inspiração para artistas impressionistas, cubistas, e post-impressionistas como van Gogh, McNeill Whistler, Monet, Degas, Mary Cassatt e Toulouse-Lautrec, entre outros. Esta influência é conhecida como Japonismo.


Através do título deste blogue, prestamos pois tributo a uma época extraordinária de um país longínquo, que  tornou possível ao cidadão comum a fruição de uma vida mais rica de que faz parte integrante  a filosofia, a religião, a ciência, a arte e ainda o bem-estar e a alegria de viver , aliada à crença na possibilidade de mudar o mundo, através do trabalho e do talento individuais. É evidentemente neste contexto que concebemos a missão primordial das Bibliotecas Públicas.