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terça-feira, 16 de outubro de 2012

Marvão: a Bibliotecária que era a Biblioteca Pública!

Durante vários anos afirmei que no concelho de Marvão a Biblioteca Pública Municipal era a Biblioteca Itinerante. Dadas as características deste concelho desertificado do interior, mencionei diversas vezes este exemplo, devidamente contextualizado, como uma excelente opção para rentabilizar meios e recursos por parte do poder local.

Estava contudo enganada! A Biblioteca Pública era afinal ... a sua bibliotecária, Catarina Machado. Sob a coordenação desta jovem, também arquivista e ainda técnica de turismo, a Biblioteca Itinerante percorria 11 localidades do concelho, de modo a tentar chegar a todos os seus cerca de 3500 habitantes. Complementarmente, assegurava, na Casa da Cultura, o projeto «Leituras Partilhadas» serões que reuniam a comunidade em torno do diálogo sobre ( e a propósito) dos livros e das leituras.  

Sem qualquer explicação devidamente justificada, em 2010, a Autarquia dispensou os serviços da bibliotecária e a Biblioteca Itinerante encerrou. Os livros deixaram de circular e as leituras de ser partilhadas. O concelho ficou evidentemente ainda mais pobre e com menos qualidade de vida!

O que eu corri para a encontrar...
Esta mulher tornara-se para mim uma lenda: a Biblioteca Municipal era ela! 
A Biblioteca Itinerante do Concelho de Marvão surgiu no âmbito das iniciativas promovidas pelo, à epoca, designado Projeto de Luta contra a Pobreza e a Exclusão Social, dirigido sobretudo para as áreas social e cultural. A iniciativa coubera então a uma jovem e dinâmica animadora cultural que, em 2003, reuniu o espólio inicial (maioritariamente oferecido por câmaras municipais e editoras) e concebeu a Biblioteca Itinerante. Nessa altura, a Biblioteca era apenas uma pequena carrinha, tanto quanto possível adaptada a este objetivo e circulava apenas às 4ªs. feiras por várias localidades do Concelho.

O sucesso desta mini-Biblioteca Itinerante foi tal, que a Autarquia decidiu investir neste serviço público. Foi assim comprada uma verdadeira Carrinha Itinerante, devidamente adaptada e equipada com um computador portátil e um acervo documental, agoramuitíssimo ampliado e diversificado dada a aquisição de muitos livros e material multimédia. É neste contexto que Catarina Machado assume, para além do Arquivo Municipal, a responsabilidade pela novíssima Biblioteca Pública de Marvão. 

Marvão- 2008
A nova Biblioteca itinerante de Marvão começou a circular em Dezembro de 2004 e, a partir desta data, apenas irá parar no período transição para a tutela da Autarquia, conforme previsto no referido programa. A catalogação e o empréstimo foram informatizados com software específico (Porbase 5). Em 2006, a Biblioteca Itinerante de Marvão passa a circular por 11 localidades das quatro freguesias do concelho, onde marca presença de 15 em 15 dias. Em 2010, contava com mais de 500 leitores registados e realizava uma média de mais de três centenas de empréstimos mensais.
   
Marvão - 2010
Sem outra explicação que não a de uma visão redutora de contenção de despesas, a Autarquia dispensa em 2010 os serviços de Catarina Machado. Marvão deixou de ter Biblioteca Pública e o acesso ao Arquivo Municipal passou a ser muitíssimo condicionado. A população perdeu qualidade de vida e a desertificação do interior do nosso país ganhou novo impulso.

Mesmo assim, Catarina Machado não desistiu de Marvão. Proativa e dinâmica, a jovem montou uma mini-micro-empresa: A Mercearia de Marvão que abriu este ano: vende e promove produtos tradicionais e artesanais para os turistas e para os residentes in loco e online. Tem dado muito que falar nos media, ou não fosse a Catarina um exemplo de criatividade e de persistência: ou não tivesse ela sido, enquanto pode, também bombeira voluntária!

Porta de entrada.
Interior (foto de Raul Ladeira).
A diferença... está sempre nos pormenores!
Perdemos uma extraordinária Bibliotecária de Leitura Pública e não nos parece que tenhamos assim tantos técnicos superiores de excelência para que um concelho como Marvão deles tão facilmente possa abdicar... Mas a vida dá muitas voltas e a verdade é que Marvão não a perdeu enquanto cidadã. Ganhou uma jovem empresária. E, sempre que algum investigador o solicita, é ela quem, voluntária e graciosamente, é ainda a arquivista de referência do concelho.

8 comentários:

  1. Uma história maravilhosa com um fim muito triste. Como é possível!!!

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    1. Margarida, minha querida amiga: é de facto uma história tão maravilhosa que mais parece um conto de fadas cujo fim não foi BEM «escrito». No entanto, quem sabe? A vida dá, Deo gratias, tantas voltas. A «nossa» Catarina é ainda muito jovem. Quem sabe o que o futuro nos reserva?

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  2. Por muito que custe, este não é caso único nem em Marvão e muito menos no país.è a realidade fria e cruel dos números.

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  3. Nem é fim nem é triste. Triste ficou o arquivo, e, calhando, a carrinha... J+a agora, que lhes sucedeu entretanto?
    O pessoal de Marvão e os que os visitarem (a passo, ou pela web) vai com certeza estimar a Mercearia, que bem sabe distinguir o valor. Assim a coisa corra bem e chegue ara a sobrevivência da Catarina e dos seus.
    Obrigada Vera pela notícia :)

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  4. Um bem haja a quem de facto acredita em contos de fadas! Força aí Catarina!

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  5. Foi com imensa tristeza que li este post. É lamentável que Marvão tenha ficado mais pobre. Isto de alguma forma pode servir de alerta para todos os bibliotecários como ela e como eu do país profundo que inventam e reinventam novas formas de ler em prol da cultura. Infelizmente para nós e felizmente para as pessoas em geral, ainda existem muitas Catarinas por esse país fora que poucos conhecem...É pena que os autarcas não tenham percebido o papel que desempenhamos nas comunidades. E generalizo, porque infelizmente aqueles que tem essa consciência são excepção.
    Para a Catarina vai o meu abraço e desejos do maior sucesso.

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  6. É lamentável que uma Autarquia perca um técnico como a Margarida para ganhar....o quê? Talvez nada ou então algo que nem queremos saber por tão horrível que possa ser. Na verdade não conseguimos, em 30 anos, dar o "salto" qualitativo que deviamos ter conseguido. Continuamos incultos, provincianos e de visão muito curta. Até quando?

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