Acerca do «Mundo flutuante»

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

CDU para crianças e adolescentes

A CDU ensinada aos mais novos.
Se olharmos com atenção para os livros das Bibliotecas, vemos que todos possuem uma marca específica que os distingue dos livros que temos em casa ou dos que se encontram à venda nas livrarias ou nos supermercados: uma etiqueta com números e letras, geralmente colada na lombada. Esta marca, que não é propriamente muito bonita, mas é muito importante porque serve para indicar o lugar próprio de cada livro nas estantes da biblioteca.

Ou seja, serve para nos dizer onde estão arrumados, nas estantes da Biblioteca, os livros de que gostamos mais, os que não nos interessa ler, os que não sabemos para que servem, os que nos ajudam a fazer os trabalhos da escola... É uma classificação por assuntos, chamada Classificação Decimal Universal, mais conhecida por CDU. 

A história que a CDU conta, para além de ser uma história bastante verdadeira, é também uma história valiosa, porque, depois de a aprendermos, passamos a saber como estão organizados os livros, não apenas na nossa biblioteca (escolar ou municipal), mas também em praticamente todas as bibliotecas do nosso país e do resto do mundo.

Os números da CDU indicam, pois, os diferentes assuntos de que tratam todos os livros, ao mesmo tempo que contam também a história dos homens, a história de toda a humanidade. A CDU é um sistema que nos fala de todas as facetas do ser humano. 



A Dewey como um jogo, um concurso e um conhecimento a adquirir pelos mais novos.

Era uma vez...    no princípio dos tempos existia... o nada. Em lugar do mundo e do universo que hoje conhecemos, havia uma espécie de massa sem forma. Isto corresponde, no sistema decimal universal, à classe O, na qual se ordenam todas as generalidades, quer dizer, a massa informe dos assuntos que tratam de muitas coisas em geral, mas de nenhum assunto em particular, uma espécie de «cova da onça». 

Foi, então, na história do mundo, que algo se pôs em movimento...: o pensamento universal... e os princípios da humanidade... A este momento corresponde, na CDU, a classe 1, que agrupa a filosofia, a ética, a lógica, a psicologia... é o momento em que o homem começa a pensar e a diferenciar-se, assim, enquanto ser racional, dos outros seres vivos.

Animado de raciocínio, o homem começou por sentir necessidade de encontrar um ser superior, um ser criador de todas as coisas. Para tal, criou-se, no sistema decimal universal, a classe 2 que trata de Deus, das religiões e das crenças.

Uma vez resolvidos estes dois problemas - o pensamento racional e o sentimento religioso -, o homem sentiu necessidade de se organizar, pelo que, na CDU, se criou a classe 3 que engloba as ciências sociais e humanas: o direito, a educação, a sociologia... as ciências que ajudam o homem a viver em sociedade.

A novidade seguinte foi o aparecimento da linguagem. Ou seja, os seres humanos, vivendo em sociedade, tiveram de encontrar um modo de comunicar entre si e, para isso, a CDU adoptou a classe 4, que contém as línguas, as gramáticas, os vocabulários, os dicionários...

Com a importante ferramenta que é o conhecimento das línguas, o homem começou então a investigar. Criou primeiro as ciências puras: as matemáticas, a física, a química... que a CDU organizou na classe 5.

Logo depois, aplicou estas ciências à realidade e fez milhares de experiências, desenvolvendo a medicina, a engenharia, a agricultura... que na CDU foram classificadas na classe 6.

O passo seguinte na evolução da espécie humana foi o desenvolvimento das artes: a arquitetura, a pintura, a música... que evidentemente só podem desabrochar quando as necessidades fundamentais estão satisfeitas. Para esta nova necessidade humana, criou-se a classe 7.


Com o mundo agora criado e organizado, o homem começou a imaginar outras realidades e a sonhar e a evadir-se através da palavra, dando origem a outra forma de expressão artística, a literatura. Para esta arte dedicou-se, na CDU, a classe 8, na qual encontramos as criações literárias de todos os tempos: poesia, romance, novela, conto...

Como os seres humanos sempre discutiram e conversaram sobre todos, mas todos, os assuntos , é evidente também discutiram muito a própria CDU. E a primeira discussão surgiu depois de se ter criado a classe 8. É que havia muitas semelhanças entre a classe 4 e a classe 8.

Por que razão era necessário dividir dois temas tão parecidos, as línguas e as literaturas, em duas classes? Uma não bastaria? 


Como também é normal entre os seres humanos, não se chegou a acordo. Por isso nalguns países os homens resolveram deixar a classe em branco, sem nada, como uma espécie de arca onde guardar uma necessidade futura, um novo tipo de conhecimento que não se sabe ainda qual é. Nos países onde a classe 4 ficou vazia: os homens modificaram esta parte da ordem da CDU e a linguagem passou então para a classe 8. Noutros países, a classe 4 manteve-se como inicialmente e as línguas ficaram separadas das literaturas na classe 8.

O final desta história não podia ser outro que não o da necessidade sentida pelo ser humano de escrever a sua própria história e de preservar a sua memória coletiva. Assim, depois de organizar o mundo que nos rodeia e de inclusivamente sonhar e inventar mundos paralelos, os homens quiseram deixar testemunho de tudo o que fizeram, de todos os lugares por onde viajaram, de tudo o que descobriram. Para esta fase da história da humanidade, criou-se na CDU a classe 9, na qual se encontram a história e a geografia.

 
Agora que conheces a história da CDU, podes entrar em qualquer Biblioteca e saber logo como e onde encontrar os teus livros preferidos: se gostas de romances, procuras a classe 8, se gostas de pintura, procuras a classe 7, se precisas de fazer um trabalho de Química, vais para a classe 5, se queres saber quem foi Buda ou quem é o Dalai Lama, procuras na classe 2. 


A divulgação da Dewey enquanto a library project.


De qualquer das maneiras, esta é apenas uma das formas de percorrer uma Biblioteca. Podes e deves passear-te por toda a Biblioteca ou à procura de um livro especial ou de um livro que te ache a ti especial, porque, por vezes, os livros gostam de nos surpreender e escolhem os seus próprios leitores especiais... E - para dúvidas mais complicadas - ou pesquisas as bases de dados bibliográficos, disponíveis nos computadores, ou perguntas diretamente... aos funcionários da Biblioteca. 

Agora é chegada a hora de fazeres um teste à tua memória. A Bibliotecária vai pedir que lhe tragas um livro sobre….. outro sobre…. e outro sobre… Quem acertar em todos os pedidos ganha um cartão de leitor. Quem não acertar... também!


(*) Texto adaptado da versão contada aos mais novos ou em primeiras visitas guiadas à Biblioteca Pública Provincial de Guadalajara, Espanha. Como este artigo comprova, as melhores formas de ensinar a CDU aos mais novos (dos 5 aos 15 anos) devem ser adaptadas das inúmeras sugestões de aprendizagem da Dewey disponíveis na Internet.


terça-feira, 16 de outubro de 2012

Marvão: a Bibliotecária que era a Biblioteca Pública!

Durante vários anos afirmei que no concelho de Marvão a Biblioteca Pública Municipal era a Biblioteca Itinerante. Dadas as características deste concelho desertificado do interior, mencionei diversas vezes este exemplo, devidamente contextualizado, como uma excelente opção para rentabilizar meios e recursos por parte do poder local.

Estava contudo enganada! A Biblioteca Pública era afinal ... a sua bibliotecária, Catarina Machado. Sob a coordenação desta jovem, também arquivista e ainda técnica de turismo, a Biblioteca Itinerante percorria 11 localidades do concelho, de modo a tentar chegar a todos os seus cerca de 3500 habitantes. Complementarmente, assegurava, na Casa da Cultura, o projeto «Leituras Partilhadas» serões que reuniam a comunidade em torno do diálogo sobre ( e a propósito) dos livros e das leituras.  

Sem qualquer explicação devidamente justificada, em 2010, a Autarquia dispensou os serviços da bibliotecária e a Biblioteca Itinerante encerrou. Os livros deixaram de circular e as leituras de ser partilhadas. O concelho ficou evidentemente ainda mais pobre e com menos qualidade de vida!

O que eu corri para a encontrar...
Esta mulher tornara-se para mim uma lenda: a Biblioteca Municipal era ela! 
A Biblioteca Itinerante do Concelho de Marvão surgiu no âmbito das iniciativas promovidas pelo, à epoca, designado Projeto de Luta contra a Pobreza e a Exclusão Social, dirigido sobretudo para as áreas social e cultural. A iniciativa coubera então a uma jovem e dinâmica animadora cultural que, em 2003, reuniu o espólio inicial (maioritariamente oferecido por câmaras municipais e editoras) e concebeu a Biblioteca Itinerante. Nessa altura, a Biblioteca era apenas uma pequena carrinha, tanto quanto possível adaptada a este objetivo e circulava apenas às 4ªs. feiras por várias localidades do Concelho.

O sucesso desta mini-Biblioteca Itinerante foi tal, que a Autarquia decidiu investir neste serviço público. Foi assim comprada uma verdadeira Carrinha Itinerante, devidamente adaptada e equipada com um computador portátil e um acervo documental, agoramuitíssimo ampliado e diversificado dada a aquisição de muitos livros e material multimédia. É neste contexto que Catarina Machado assume, para além do Arquivo Municipal, a responsabilidade pela novíssima Biblioteca Pública de Marvão. 

Marvão- 2008
A nova Biblioteca itinerante de Marvão começou a circular em Dezembro de 2004 e, a partir desta data, apenas irá parar no período transição para a tutela da Autarquia, conforme previsto no referido programa. A catalogação e o empréstimo foram informatizados com software específico (Porbase 5). Em 2006, a Biblioteca Itinerante de Marvão passa a circular por 11 localidades das quatro freguesias do concelho, onde marca presença de 15 em 15 dias. Em 2010, contava com mais de 500 leitores registados e realizava uma média de mais de três centenas de empréstimos mensais.
   
Marvão - 2010
Sem outra explicação que não a de uma visão redutora de contenção de despesas, a Autarquia dispensa em 2010 os serviços de Catarina Machado. Marvão deixou de ter Biblioteca Pública e o acesso ao Arquivo Municipal passou a ser muitíssimo condicionado. A população perdeu qualidade de vida e a desertificação do interior do nosso país ganhou novo impulso.

Mesmo assim, Catarina Machado não desistiu de Marvão. Proativa e dinâmica, a jovem montou uma mini-micro-empresa: A Mercearia de Marvão que abriu este ano: vende e promove produtos tradicionais e artesanais para os turistas e para os residentes in loco e online. Tem dado muito que falar nos media, ou não fosse a Catarina um exemplo de criatividade e de persistência: ou não tivesse ela sido, enquanto pode, também bombeira voluntária!

Porta de entrada.
Interior (foto de Raul Ladeira).
A diferença... está sempre nos pormenores!
Perdemos uma extraordinária Bibliotecária de Leitura Pública e não nos parece que tenhamos assim tantos técnicos superiores de excelência para que um concelho como Marvão deles tão facilmente possa abdicar... Mas a vida dá muitas voltas e a verdade é que Marvão não a perdeu enquanto cidadã. Ganhou uma jovem empresária. E, sempre que algum investigador o solicita, é ela quem, voluntária e graciosamente, é ainda a arquivista de referência do concelho.