Acerca do «Mundo flutuante»

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Bibliotecas Municipais: públicos e parcerias

A Biblioteca Pública enquanto lugar extraordinário é como a «Utopia» dita por Eduardo Galeano: à distância da linha do horizonte, é inalcansável, mas guia o nosso caminho e dá-nos força para continuar. As Bibliotecas Públicas portuguesas são por vezes (algumas vezes muitas vezes já), esse lugar extraordinário. É evidente que muitas não o são, e as que o são não o podem ser em permanência: se por hipótese teórica vivêssemos em constante estado de graça como o poderíamos reconhecer?

Devemos pois admitir que, muito embora as nossas Bibliotecas Públicas sejam recentes, menores de 20 anos de idade, é verdade que muitos de nós já aí vivemos alguns desses extraordinários momentos. Que, por vezes nos apanharam até completamente de surpresa: sem disso estarmos à espera, encontrámo-nos em estado de alegria e graça.


A primeira grande conquista das Bibliotecas Públicas portuguesas foi o público infantil e não é por acaso que a «Hora do Conto» é a atividade mais consistentemente praticada e generalizada em todas elas. Com as crianças vieram alguns adultos (pais, tios, avós...), mas sobretudo as escolas e, logo depois, o apoio técnico às Bibliotecas Escolares, os catálogos coletivos concelhios e a noção de património bibliográfico concelhio, o cartão de leitor concelhio. Vieram também os mais velhos a quem ensinamos as novas tecnologias e que nos ensinaram a nossa história coletiva a partir das suas histórias de vida e das suas memórias, as quais, por seu turno, nos permitem agora ampliar o fundo local de cada biblioteca: cf. Vidas e memórias de uma comunidade (Vila Velha Ródão) e Memórias de Figueiró (dos Vinhos). Como com as crianças, a Biblioteca foi também ao encontro dos mais velhos: saiu fora de portas e foi a escolas, jardins de infância, centros de dia e lares de idosos.


Assim sendo, uma das grandes dificuldades com que presentemente nos debatemos é, como afirma a bibliotecária de Arganil, Margarida Fróis, a de chamar à Biblioteca aqueles não nos vêm visitar de... autocarro! A saber: os jovens e os adultos, sem os quais Biblioteca Municipal não pode considerar-se devidamente implantada na sua comunidade. Neste sentido, várias são as opções em aberto. Do estudo e da promoção de parcerias com o Instituto de Emprego e de Formação Profissional, bem como com instituições do ensino superior para o desenvolvimento do ensino a distância e da formação ao longo da vida, até ao fomento de parecerias com o tecido empresarial autárquico com vista ao aprofundamento e à diversificação de saberes e de técnicas locais muitas vezes em vias de extinção.

Para os jovens é importante mergulharmos no respetivo universo e mais além..., propondo-lhes desafios e causas por que lutar: das tecnologias ao voluntariado, do consumo sustentável à cidadania e ao empreendedorismo: da divulgação de iniciativas nacionais e internacionais como o programa Escolhas, ou o «Do Something português» ou o «Impulso jovem», mas também do incentivo e do apoio a concursos e projetos dos mais domésticos como o Bibliofilmes (realização de vídeos) aos mais internacionais como o Iniciativas dos jovens (trabalho, estudo, voluntariado e intercâmbio na UE). Informar (e informarmo-nos) sobre o que fazer bem no mundo que nos rodeia passa pela divulgação de sítios com o IM (Ideias que me movem) - Magazine cujo lema é O melhor que se faz no mundo para um mundo melhor, ou o Actua contra a crise  ou o Green Savers ou o Sustentator.


Para tal, todos acordamos que o primeiro passo é conhecer bem a nossa comunidade e estabelecer elos com as pessoas e as organizações que nela são mais influentes. A ligação entre a Biblioteca de Vila Velha de Ródão tanto com a Fundação EDP, como com o filho do respetivo patrono, o apresentador, realizador e produtor, José Nuno Martins, disso constituem exemplo. Envolver pequenos empresários, intelectuais e especialistas diversos está na base do extraordinário projeto «Padrinhos da Leitura», concebido pela Biblioteca de Moura e adaptado pela Biblioteca de Portimão, e constituem outros excelentes exemplos a replicar! A este propósito recomendamos a leitura da revista brasileira Responsabilidade Social que reúne argumentos, propostas e exemplos deste novo tipo de obrigação social, nomeadamente no que respeita ao investimento social privado.
Cada vez mais unanimemente considerado muitíssimo importante, o papel das Bibliotecas Públicas portuguesas no desenvolvimento socio-económico das respectivas comunidades, hoje ainda incipiente, passa não apenas pelo apoio à formação que oferece ou propõe, como pelo auxílio na procura de emprego e pela cooperação e apoio às pequenas e médias empresas. Os melhores exemplos deste tipo de projetos conjuntos continuam ainda a ser estrangeiros, mas pela respetiva consistência vale bem o esforço de os estudar:

Urban Libraries Council − organização americana que, desde 1971, promove as Bibliotecas Públicas enquanto parte essencial da vida e do tecido urbanos, bem como o modo como as Bibliotecas Públicas podem contribuir para a dimensão humana do desenvolvimento económico. 

NI –Libraries: North Ireland Libraries − conjunto de serviços prestados pela Rede de Bibliotecas da Irlanda do Norte na área das empresa e negócios: iniciar ou desenvolver um negócio, formação profissional, lucros e investimentos, nichos de mercado, patentes, informação sobre direitos de autor…


Business Information Services − páginas da Lancaster Libraries sobre os serviços de apoio ao desenvolvimento de empresas locais oferecidos pelas Bibliotecas Públicas de Lancaster, Pensilvânia (EUA). 


South Ayrshire Council: comunity services − conjunto de serviços de apoio às pequenas e médias empresas oferecidos pelas bibliotecas públicas desta região da Escócia: agricultura, floresta, pescas, transformação, serviços e turismo.

 
O trabalho conjunto entre as instituições culturais públicas do concelho (o museu, o arquivo, o cineteatro...), que à partida parecia uma evidência, revelou-se um outro passo difícil de concretizar, não sendo deste modo possível acionar e potenciar todo um conjunto de recursos humanos, técnicos e financeiros em prol da história e da cultura do município.

Também a colaboração com associações, organizações e mesmo empresas de natureza cultural e recreativa municipais não parece ter sido ainda devidamente explorada e neste campo há ainda todo um trabalho por fazer. Contudo, convém lembrar que a cooperação e o estabelecimento de parcerias entre museus e bibliotecas (e arquivos) têm, no estrangeiro, vindo a revelar modelos eficientes e estimulantes para complementar e diversificar recursos, meios, ideias, projectos... De entre os exemplos mais (re)conhecidos dois são também anglófonos: 


o Institute of Museum and Library Services (IMLS) − instituto americano cuja missão visa promover bibliotecas e museus que desenvolvam a união de pessoas, informação e ideias. De âmbito nacional, o IMLS trabalha em coordenação com organizações do poder central e local para apoiar o conhecimento, a cultura e a herança cultural, a aprendizagem, a inovação e o desenvolvimento profissional; 


e o MLA: Museums, Libraries and Archives Council − organização governamental inglesa que oferece aconselhamento, apoio e recursos para incentivar a inovação na área dos museus, bibliotecas e arquivos. A missão do MLA visa desenvolver competências profissionais e promover serviços de excelência para utilizadores e leitores de todas as idades e origens sociais, sejam visitantes ou residentes no Reino Unido.


Por último, os estudiosos e especialistas e homens de negócios em cultura e indústrias culturais apontam para o investimento no triângulo: «cultura - ambiente - turismo» como uma das bases sobre a qual deveria assentar uma das principais apostas de desenvolvimento do nosso país. Neste pressuposto, poderia caber à Biblioteca Pública, lugar por excelência de difusão de informação e de cultura a todo o tipo de públicos, o papel agregador destes dois tipos de património e dos correspondentes estudo e reflexão crítica, por forma a transmutá-los e a modernizá-los ao serviço de um turismo sustentável.

Neste âmbito, sugerimos a leitura de As inter-relações turismo, meio ambiente e cultura de Eliane Pires, Bragança: Instituto Politécnico, 2004, e o estudo O sector cultural e criativo em Portugal, Lisboa: Augusto Mateus & Associados, 2010.


Sobretudo nos municípios mais pequenos e nos do interior do nosso país, a aposta nesta fórmula de desenvolvimento sustentável parece começar agora a delinear-se e a tomar forma, nomeadamenrte no âmbito das Comunidades Intermunicipais em geral, e através da cooperação entre bibliotecas em particular. Mas começámos apenas. O caminho traçado está quase todo por percorrer.


Mapa de Portugal por CIM.

sábado, 3 de novembro de 2012

Grupo Contadores de Estórias (Brasil): contar sem palavras e com marionetas


Não resisto a deixar-vos aqui notícia do último espetáculo do Grupo de Contadores de Estórias sedeado desde 1981 em Paraty, no Brasil. Com quarenta anos de um trabalho extraordinariamente sensível e criativo, este grupo conta, sem palavras, histórias com marionetas de todo o tipo: imensas, com vários metros de altura, grandes e muito pequenas, com 30 cm apenas, fazendo-as também contracenar com atores e bailarinos. 

Mas mais do que dar a conhecer o trabalho deste grupo, o que me tocou foi o fato de o último espetáculo do grupo, Flutuações, se inspirar nos gravuras japonesas (ukiyo-e) da época da história do Japão conhecida por Mundo flutuante que dá nome a este blogue. Segundo a nota de imprensa, este espetáculo é constituido por:

    «Cenas do cotidiano tecidas em cores suaves e tons pastel.  
   De permeio, um lenço vermelho, um guarda chuva amarelo, um moço garboso e um romance, macio e carinhoso...  
   Imagens de um mundo flutuante. Momentos vagando no ar.» 
Marcos Caetano Ribas 

Flutuações é então um espetáculo para adultos cuja inspiração foi as  gravuras ukiyo-e atualizadas através de situações recolhidas ao vivo pelo Grupo nas ruas da cidade de Paraty. Com papel e lápis, olho vivo e uma câmara portátil, o Grupo estudou, registou e fotografou, ao sol ou à chuva, pessoas em situações do dia a dia da cidade, de modo a compor os ukiyo-e deste espetáculo.

Flutuações, 2011.
Ou seja, e esta é a parte que me toca, este grupo consegue oferecer-nos o quotidiano sob uma perspetiva estética: um dom que deveríamos aprender e treinar.

As cenas, construídas a partir das gravuras japonesas e dos retratos do quotidiano, foram então coreografadas de modo a que bonecos e atores-bailarinos se descolassem, ao longo do espetáculo, do constrangimento bidimensional e, flutuando fora do papel, conquistassem a terceira dimensão.

Flutuações, 2011.
Este 24º. espetáculo do Grupo Contadores de Estórias, integra os elementos distintivos que são a imagem de marca do Grupo: as pequenas marionetas quase vivas, a ausência de texto, a delicada coreografia de bonecos e atores-bailarinos e a temática poética que transforma o espetáculo numa sequência de hai-kais cénicos. 

Criado por Marcos e Rachel Ribas em 1971, o Grupo concebe e apresenta espetáculos para público adulto e ainda outros dirigidos aos mais novos. Conhecido e reconhecido internacionalmente, o Grupo Contadores de Estórias foi já visto por milhares de pessoas e consagrado com diversos prémios prestigiados.

Descaminhos, 2011.
Memórias de um tigre de circo, 2008.
Capuchinho vermelho, 1996

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

CDU para crianças e adolescentes

A CDU ensinada aos mais novos.
Se olharmos com atenção para os livros das Bibliotecas, vemos que todos possuem uma marca específica que os distingue dos livros que temos em casa ou dos que se encontram à venda nas livrarias ou nos supermercados: uma etiqueta com números e letras, geralmente colada na lombada. Esta marca, que não é propriamente muito bonita, mas é muito importante porque serve para indicar o lugar próprio de cada livro nas estantes da biblioteca.

Ou seja, serve para nos dizer onde estão arrumados, nas estantes da Biblioteca, os livros de que gostamos mais, os que não nos interessa ler, os que não sabemos para que servem, os que nos ajudam a fazer os trabalhos da escola... É uma classificação por assuntos, chamada Classificação Decimal Universal, mais conhecida por CDU. 

A história que a CDU conta, para além de ser uma história bastante verdadeira, é também uma história valiosa, porque, depois de a aprendermos, passamos a saber como estão organizados os livros, não apenas na nossa biblioteca (escolar ou municipal), mas também em praticamente todas as bibliotecas do nosso país e do resto do mundo.

Os números da CDU indicam, pois, os diferentes assuntos de que tratam todos os livros, ao mesmo tempo que contam também a história dos homens, a história de toda a humanidade. A CDU é um sistema que nos fala de todas as facetas do ser humano. 



A Dewey como um jogo, um concurso e um conhecimento a adquirir pelos mais novos.

Era uma vez...    no princípio dos tempos existia... o nada. Em lugar do mundo e do universo que hoje conhecemos, havia uma espécie de massa sem forma. Isto corresponde, no sistema decimal universal, à classe O, na qual se ordenam todas as generalidades, quer dizer, a massa informe dos assuntos que tratam de muitas coisas em geral, mas de nenhum assunto em particular, uma espécie de «cova da onça». 

Foi, então, na história do mundo, que algo se pôs em movimento...: o pensamento universal... e os princípios da humanidade... A este momento corresponde, na CDU, a classe 1, que agrupa a filosofia, a ética, a lógica, a psicologia... é o momento em que o homem começa a pensar e a diferenciar-se, assim, enquanto ser racional, dos outros seres vivos.

Animado de raciocínio, o homem começou por sentir necessidade de encontrar um ser superior, um ser criador de todas as coisas. Para tal, criou-se, no sistema decimal universal, a classe 2 que trata de Deus, das religiões e das crenças.

Uma vez resolvidos estes dois problemas - o pensamento racional e o sentimento religioso -, o homem sentiu necessidade de se organizar, pelo que, na CDU, se criou a classe 3 que engloba as ciências sociais e humanas: o direito, a educação, a sociologia... as ciências que ajudam o homem a viver em sociedade.

A novidade seguinte foi o aparecimento da linguagem. Ou seja, os seres humanos, vivendo em sociedade, tiveram de encontrar um modo de comunicar entre si e, para isso, a CDU adoptou a classe 4, que contém as línguas, as gramáticas, os vocabulários, os dicionários...

Com a importante ferramenta que é o conhecimento das línguas, o homem começou então a investigar. Criou primeiro as ciências puras: as matemáticas, a física, a química... que a CDU organizou na classe 5.

Logo depois, aplicou estas ciências à realidade e fez milhares de experiências, desenvolvendo a medicina, a engenharia, a agricultura... que na CDU foram classificadas na classe 6.

O passo seguinte na evolução da espécie humana foi o desenvolvimento das artes: a arquitetura, a pintura, a música... que evidentemente só podem desabrochar quando as necessidades fundamentais estão satisfeitas. Para esta nova necessidade humana, criou-se a classe 7.


Com o mundo agora criado e organizado, o homem começou a imaginar outras realidades e a sonhar e a evadir-se através da palavra, dando origem a outra forma de expressão artística, a literatura. Para esta arte dedicou-se, na CDU, a classe 8, na qual encontramos as criações literárias de todos os tempos: poesia, romance, novela, conto...

Como os seres humanos sempre discutiram e conversaram sobre todos, mas todos, os assuntos , é evidente também discutiram muito a própria CDU. E a primeira discussão surgiu depois de se ter criado a classe 8. É que havia muitas semelhanças entre a classe 4 e a classe 8.

Por que razão era necessário dividir dois temas tão parecidos, as línguas e as literaturas, em duas classes? Uma não bastaria? 


Como também é normal entre os seres humanos, não se chegou a acordo. Por isso nalguns países os homens resolveram deixar a classe em branco, sem nada, como uma espécie de arca onde guardar uma necessidade futura, um novo tipo de conhecimento que não se sabe ainda qual é. Nos países onde a classe 4 ficou vazia: os homens modificaram esta parte da ordem da CDU e a linguagem passou então para a classe 8. Noutros países, a classe 4 manteve-se como inicialmente e as línguas ficaram separadas das literaturas na classe 8.

O final desta história não podia ser outro que não o da necessidade sentida pelo ser humano de escrever a sua própria história e de preservar a sua memória coletiva. Assim, depois de organizar o mundo que nos rodeia e de inclusivamente sonhar e inventar mundos paralelos, os homens quiseram deixar testemunho de tudo o que fizeram, de todos os lugares por onde viajaram, de tudo o que descobriram. Para esta fase da história da humanidade, criou-se na CDU a classe 9, na qual se encontram a história e a geografia.

 
Agora que conheces a história da CDU, podes entrar em qualquer Biblioteca e saber logo como e onde encontrar os teus livros preferidos: se gostas de romances, procuras a classe 8, se gostas de pintura, procuras a classe 7, se precisas de fazer um trabalho de Química, vais para a classe 5, se queres saber quem foi Buda ou quem é o Dalai Lama, procuras na classe 2. 


A divulgação da Dewey enquanto a library project.


De qualquer das maneiras, esta é apenas uma das formas de percorrer uma Biblioteca. Podes e deves passear-te por toda a Biblioteca ou à procura de um livro especial ou de um livro que te ache a ti especial, porque, por vezes, os livros gostam de nos surpreender e escolhem os seus próprios leitores especiais... E - para dúvidas mais complicadas - ou pesquisas as bases de dados bibliográficos, disponíveis nos computadores, ou perguntas diretamente... aos funcionários da Biblioteca. 

Agora é chegada a hora de fazeres um teste à tua memória. A Bibliotecária vai pedir que lhe tragas um livro sobre….. outro sobre…. e outro sobre… Quem acertar em todos os pedidos ganha um cartão de leitor. Quem não acertar... também!


(*) Texto adaptado da versão contada aos mais novos ou em primeiras visitas guiadas à Biblioteca Pública Provincial de Guadalajara, Espanha. Como este artigo comprova, as melhores formas de ensinar a CDU aos mais novos (dos 5 aos 15 anos) devem ser adaptadas das inúmeras sugestões de aprendizagem da Dewey disponíveis na Internet.


terça-feira, 16 de outubro de 2012

Marvão: a Bibliotecária que era a Biblioteca Pública!

Durante vários anos afirmei que no concelho de Marvão a Biblioteca Pública Municipal era a Biblioteca Itinerante. Dadas as características deste concelho desertificado do interior, mencionei diversas vezes este exemplo, devidamente contextualizado, como uma excelente opção para rentabilizar meios e recursos por parte do poder local.

Estava contudo enganada! A Biblioteca Pública era afinal ... a sua bibliotecária, Catarina Machado. Sob a coordenação desta jovem, também arquivista e ainda técnica de turismo, a Biblioteca Itinerante percorria 11 localidades do concelho, de modo a tentar chegar a todos os seus cerca de 3500 habitantes. Complementarmente, assegurava, na Casa da Cultura, o projeto «Leituras Partilhadas» serões que reuniam a comunidade em torno do diálogo sobre ( e a propósito) dos livros e das leituras.  

Sem qualquer explicação devidamente justificada, em 2010, a Autarquia dispensou os serviços da bibliotecária e a Biblioteca Itinerante encerrou. Os livros deixaram de circular e as leituras de ser partilhadas. O concelho ficou evidentemente ainda mais pobre e com menos qualidade de vida!

O que eu corri para a encontrar...
Esta mulher tornara-se para mim uma lenda: a Biblioteca Municipal era ela! 
A Biblioteca Itinerante do Concelho de Marvão surgiu no âmbito das iniciativas promovidas pelo, à epoca, designado Projeto de Luta contra a Pobreza e a Exclusão Social, dirigido sobretudo para as áreas social e cultural. A iniciativa coubera então a uma jovem e dinâmica animadora cultural que, em 2003, reuniu o espólio inicial (maioritariamente oferecido por câmaras municipais e editoras) e concebeu a Biblioteca Itinerante. Nessa altura, a Biblioteca era apenas uma pequena carrinha, tanto quanto possível adaptada a este objetivo e circulava apenas às 4ªs. feiras por várias localidades do Concelho.

O sucesso desta mini-Biblioteca Itinerante foi tal, que a Autarquia decidiu investir neste serviço público. Foi assim comprada uma verdadeira Carrinha Itinerante, devidamente adaptada e equipada com um computador portátil e um acervo documental, agoramuitíssimo ampliado e diversificado dada a aquisição de muitos livros e material multimédia. É neste contexto que Catarina Machado assume, para além do Arquivo Municipal, a responsabilidade pela novíssima Biblioteca Pública de Marvão. 

Marvão- 2008
A nova Biblioteca itinerante de Marvão começou a circular em Dezembro de 2004 e, a partir desta data, apenas irá parar no período transição para a tutela da Autarquia, conforme previsto no referido programa. A catalogação e o empréstimo foram informatizados com software específico (Porbase 5). Em 2006, a Biblioteca Itinerante de Marvão passa a circular por 11 localidades das quatro freguesias do concelho, onde marca presença de 15 em 15 dias. Em 2010, contava com mais de 500 leitores registados e realizava uma média de mais de três centenas de empréstimos mensais.
   
Marvão - 2010
Sem outra explicação que não a de uma visão redutora de contenção de despesas, a Autarquia dispensa em 2010 os serviços de Catarina Machado. Marvão deixou de ter Biblioteca Pública e o acesso ao Arquivo Municipal passou a ser muitíssimo condicionado. A população perdeu qualidade de vida e a desertificação do interior do nosso país ganhou novo impulso.

Mesmo assim, Catarina Machado não desistiu de Marvão. Proativa e dinâmica, a jovem montou uma mini-micro-empresa: A Mercearia de Marvão que abriu este ano: vende e promove produtos tradicionais e artesanais para os turistas e para os residentes in loco e online. Tem dado muito que falar nos media, ou não fosse a Catarina um exemplo de criatividade e de persistência: ou não tivesse ela sido, enquanto pode, também bombeira voluntária!

Porta de entrada.
Interior (foto de Raul Ladeira).
A diferença... está sempre nos pormenores!
Perdemos uma extraordinária Bibliotecária de Leitura Pública e não nos parece que tenhamos assim tantos técnicos superiores de excelência para que um concelho como Marvão deles tão facilmente possa abdicar... Mas a vida dá muitas voltas e a verdade é que Marvão não a perdeu enquanto cidadã. Ganhou uma jovem empresária. E, sempre que algum investigador o solicita, é ela quem, voluntária e graciosamente, é ainda a arquivista de referência do concelho.

terça-feira, 24 de julho de 2012

«Abraçar o mundo sem deixar ninguém de fora II»: as Bibliotecas Itinerantes *

BIBLIOTECAS ITINERANTES:  estrelas mediáticas

Se as grandes protagonistas da leitura pública são as Bibliotecas-caixa, as verdadeiras estrelas dos serviços de extensão bibliotecária e cultural são as bibliotecas itinerantes, também conhecidas por Bibliomóveis ou Bibliobuses. Dos países mais desenvolvidos aos mais carenciados, as bibliotecas itinerantes continuam a ser consideradas das mais vívidas e melhor conseguidas «fórmulas» de biblioteca. Concebidas para ir (mais) longe, onde a maior parte das pessoas não vai, e acarinhadas por bibliotecários sensíveis, as bibliotecas itinerantes têm, há mais de um século, e cada vez mais, leitores fervorosos literalmente em todo o mundo.

Os primeiros bibliomóveis eram basicamente armários com estantes montados em carroças puxadas por cavalos:

 
Por isso, o primeiro bibliomóvel português, criado por Branquinho da Fonseca, conservador-bibliotecário do Museu-Biblioteca do Conde Castro Guimarães, em Cascais, em 1953, é na realidade uma actualização dos primeiros bibliomóveis dos países anglo-saxónicos, tal como Augusto Ataíde preconizara em 1914.   



Como é do conhecimento da maioria dos portugueses adultos e mais velhos, foi a Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) que, na segunda metade do século XX, desenvolveu este serviço em todo o território nacional. Pela primeira vez, no nosso país, os livros chegavam massiva e livremente a (quase) todos os que quisessem ler.

 

Último modelo ainda oferecido pela FCG (ca 2000).
No início dos anos setenta a Gulbengian dotara o país de 63 unidades móveis (e 166 unidades fixas) que no seu conjunto cobriam todo o país. Com o desenvolvimento do Programa da Rede Nacional de Bibliotecas Públicas a partir de 1987, a FCG vai propondo a «transição» das suas bibliotecas itinerantes e fixas para os respectivos municípios, os quais, apoiados pela administração central, vão progressivamente assumindo a gestão e o desenvolvimento das bibliotecas municipais e, em consequência, dos serviços de extensão bibliotecária. Desta transição constitui exemplo, entre tantos outros, a Bibliomóvel de Viana do Castelo que, com o apoio da FCG entre 1994 e 2002, percorria 800 kms por mês, com uma paragem mensal em todas as freguesias do concelho.

 

As bibliotecas itinerantes acompanharam os tempos, adaptaram-se e modernizaram-se, tecendo sólidas redes de leituras e de afectos nos mais distantes e isolados concelhos portugueses. Na sua maioria de pequena dimensão (o que lhes trás duas vantagens: percorrer as mais difíceis estradas do nosso país e serem conduzidas por qualquer pessoa que detenha uma simples carta de condução), as bibliomóveis oferecem centenas de itens (entre livros, revistas, cd e dvd) e acesso à Internet. Mas, sobretudo, cuidam das populações dos confins mais solitários do nosso país. Como a biblioteca itinerante de Arouca que percorre todas as freguesias do concelho, nomeadamente as que se encontram mais longe da sede:


Ou a do Fundão que disponibiliza livros, mas também, DVDs e CDs em visitas quinzenais. O horário é afixado nas juntas de freguesia, igrejas ou escolas.



O Bibliomealhada, o maior bibliobus português, é um autocarro transformado pelos próprios funcionários da autarquia em biblioteca itinerante. Tem zona de leitura, um pequeno anfiteatro e acesso à Internet. Faz paragens em 25 lugares das 8 freguesias do concelho. As escolas do ensino básico e jardins-de-infância recebem mensalmente a mala «Livros em Viagem». Os lares e centros de dia recebem os «(A)braços da Biblioteca Municipal», cestos com livros CDs e DVDs.



No concelho de Marvão, a Biblioteca Pública era, até 2010, a carrinha itinerante: Catarina Machado, a bibliotecária (e também arquivista), percorria as quatro freguesias do concelho de modo a chegar a todos os seus cerca de 3500 habitantes. Depois a Autarquia dispensou os serviços
 da bibliotecária e a Biblioteca encerrou as portas, digamos assim. O concelho ficou evidentemente ainda mais pobre!

Marvão- 2008
Marvão - 2010

Nos últimos anos, cada vez mais autarquias e bibliotecas municipais têm vindo a dar-se conta das imensas potencialidades das bibliotecas itinerantes na promoção da leitura e da cidadania no nosso país, tornadas de novo evidentes com o trabalho desenvolvido pelas cerca de 70 bibliomóveis que actualmente circulam no nosso país. De entre estas, é forçoso destacarmos a de Nuno Marçal que, para além de assegurar a presença da Bibliomóvel em todo o concelho de Proença-a-Nova, a divulga como nenhum outro no seu blogue O Papalagui: crónicas de um bibliotecário ambulante.



Projecto «Ciência para todos» na Bibliomóvel de Proença-a-Nova - 2009

As actuais bibliotecas itinerantes orgulham-se do seu trabalho que as populações tanto apoiam e apostam numa imagem forte, como a de Loulé ou a de Vila Franca de Xira.



A Biblioteca Andarilha de Beja, inaugurada em 2009, a de Grândola em 2011 e a de Penedono em 2012 são as mais recentes bibliotecas itinerantes do nosso país que conta presentemente (Agosto de 2012) com 71 Bibliotecas itinerantes em actividade.

Beja - 2009
Grândola - 2011
Penedono - 2012

Para conhecer melhor as cada vez mais dinâmicas Bibliotecas Itinerantes, consulte O papalagui, o blogue de Nuno Marçal e A Nave Voadora, o directório das Bibliotecas Itinerantes Portuguesas da autoria de João Henriques. Mais, contacte-os e contribua para a actualização de A Nave Voadora e para o projecto de recolha de fotografias de todas as nossa Bibliomóveis de Nuno Marçal!

segunda-feira, 23 de julho de 2012

1ª. Maratona de Leitura «24 horas a ler» na Biblioteca Pública Municipal da Sertã

A primeira Maratona de Leitura 24 horas consecutivas a LER decorreu das 10h00 de sábado, dia 14, às 10h00 de domingo, dia 15 de Julho, na Biblioteca Municipal Pe. Manuel Antunes, na Sertã. 

O Senhor Presidente inaugurou a Maratona que teve início no terraço da Biblioteca.

Muitos dos primeiros contos da manhã foram canções...

e as crianças foram as grandes protagonistas.

As pinturas faciais deram o tom festivo...

e muitos livros para os mais novos saíram das estantes.

Os escuteiros tomaram a seu cargo uma hora de histórias.

O microfone ajudou os leitores mais pequenos...

e permitiu que as leituras fossem ouvidas por muitos dentro e fora da Biblioteca.

Quando a noite caiu, acenderam-se as lanternas...

e as velas que toda a noite anunciaram a leitura na Biblioteca.


Os adultos


e os mais velhos foram chegando...

e o frio da noite também!



Viemos então para dentro e a Clara preparou chocolate quente e bolinhos para todos!

Alguns não resistiram ao sono,
   
mas um grupo de incondicionais encheu a noite de histórias de mistério..
  
de terror e de medos...

Nas primeiras horas do novo dia, ouvimos histórias de encantar e poemas.

Às oito horas o senhor Padre deu início à leitura de histórias da Bíblia...

que os últimos maratonianos continuaram.

Quando chegaram as 10h00 da manhã...

o Coro Sertanense encerrou a Maratona da Leitura, encantando-nos a todos!

Diversos foram os testemunhos deixados na entrada da Biblioteca...

...sobre uma noite extraordinária que envolveu várias centenas de pessoas de todas as idades, muitos dos quais ali se (re)conheceram pela primeira vez.

Juntos vivemos um projecto único no nosso país e experimentámos a alegria de nos encontrarmos com e nos livros e nas leituras. Queremos repetir e recomendamos vivamente que experimentem fazê-lo connosco. 

Até para o ano!